Papo de vó
O que leva uma senescente, quase octogenária, a escrever sobre a nossa ABEC? Oportunismo, ociosidade ou um grande desejo de transmitir algum recado? Quem me conhece já decifrou a resposta: vontade incessante de passar uma mensagem àqueles que, com garra e competência, lidam com nossas crianças e adolescentes, criando ou desenvolvendo nelas o amor pela nossa Língua e Cultura.
Faço parte daquele grupo que antecedeu a ABEC e a viu nascer e crescer, com a ajuda de tanta “brava gente”, na Suíça. Graças a tantos esforços, perdemos a conta de quantas pessoas foram e estão sendo beneficiadas pela atuação desse grupo dinâmico, cônscio da responsabilidade em deixar um legado aos nossos descendentes. Assim, é com convicção, entusiasmo e muita fé que não me canso de propagar os feitos e os efeitos da nossa associação.
Em algumas vezes que fomos à Suíça nesses últimos anos, tive a honra de dar algumas aulinhas para brasileirinhos em Winterthur e Zurique. Sempre me empolguei e tenho guardados na minha memória vários quadros, várias situações, sorrisos infantis de todos os tipos!
Um exemplo disso é aquela aula que dei para um grupo de crianças, ainda não alfabetizadas, em Winterthur. Inspirando-me na minha privilegiada condição de avó, achei uma maneira original para incentivar aqueles fofinhos a gostar dos nossos cursos, estabelecendo um elo com a ideia da família, da herança.
Apelei para as cores, formas, utilizando dois grandes triângulos verdes e dois círculos amarelos. Dei asas à imaginação dos nossos brasileirinhos ao apresentar-lhes essas formas geométricas em cartolina, colocando-as no chão da sala de aula. Sugeri-lhes então que os triângulos, poderiam representar as montanhas suíças, os círculos, o sol brasileiro.
Cada criança vibrou ao falar sobre a natureza exuberante nos dois países. Depois de muito papo gostoso coloquei essas formas de tal maneira que formassem a palavra VOVÓ. Mostrei à meninada que se a gente invertesse a montanha verde, teríamos um V, já o sol corresponderia a um O, mais uma montanha de ponta cabeça e mais um sol. O acento no último O poderia ser um chapéu (pequeno triângulo) para o vovô ou uma gota de chuva para a vovó (retângulo pequeno e comprido).
Que descoberta sensacional! As mãozinhas ágeis daquelas crianças começaram a formar, sofregamente, a palavra VOVÓ. Com alegria chegamos todos à conclusão de que as palavras “vovô” e “vovó” eram tão fáceis quanto lindas! São palavras cheias de vida, de cor, de carinho e felicidade! Elas envolvem, como aquele abraço- gostoso-brasileiro, os netinhos queridos com dupla nacionalidade. Isso quer dizer que através dos avós brasileiros, as nossas crianças também têm a maravilhosa possibilidade de herdar a nossa Língua e Cultura.
Aquelas crianças dessa minha aulinha cresceram, talvez nem se lembrem mais daqueles momentos de regozijo e descoberta. No entanto, a sementinha lançada com muita convicção e fé, naquele terreno verde-amarelo, continuou a ser bem regada pelas professoras da ABEC. A plantinha está crescendo, crescerá, florescerá e também dará frutos no seu tempo certo. Não é essa a herança de valor que queremos deixar para a nossa amada prole? Não é essa a belíssima ação da nossa ABEC, nesses 15 anos de existência?
Parabéns, querida ABEC! Pela missão inefável durante esses 15 anos! Parabéns a todos que plantaram e estão semeando amor e conhecimento verde-amarelos nos coraçõezinhos vermelhos!
Stella Maris Rosselet viveu na Suíça durante 40 anos e voltou para o Brasil. Atualmente mora no Tocantins. Ela foi pioneira no ensino de português, tanto para adultos como para crianças, e formou a primeira turma de HSK do Brasil em Winterthur. Stella adora escrever e é uma entusiasta da ABEC.